SOL´TA
Os projetos da SOL´TA são trabalhos interculturais de teatro de sombras ou de outra forma artística visual, com o objetivo de criar um ponto de conhecimento/encontro que conecte as diferentes histórias e hábitos culturais. O nome “SOL´TA” vem da ideia de um projeto que anda lenta mas firmemente, como uma TArtaruga caminhando devagar na praia em direção ao SOL.
Uma imagem que quer representar a junção espiritual e idílica da mistura do Portugal e Japão.
COLABORADORES SOL´TA
Alexandre Sarrazora (Namban-jin)
Catalina Côdea (ClaraLua/Tenshô)
Chiara Picotto (Momotaró_Marco Pesca affronta CoronOni)
Chira Monachegi (ClaraLua/Tenshô)
Charlène Dief (Namban-jin/Morães-san)
Donatello Brida (Bum Blue Bee/Rainha Santa Isabel/Momotaró_Marco Pesca affronta CoronOni)
Fátima Marques (Namban-jin)
Florent Manneveau ( Rapazinho do Carvão/Tensho)
Francesco Fly di Carlo (Pão de sonho)
Guda Palma (Bum Blue Bee)
Inês Pinto (Momotaró_João Pêssego/ outras traduções dos projectos)
Ilaria Pasquialetto (Brundìbar/ClaraLua)
João Ribeiro (João Pêssego contra o CoronOni)
Johann Merrich ( ClaraLua/ Morães-san)
KotenShujyuuSoudan (SrJaponeira)
Luís Ratinho (KassakoJizô)
Marta Portugal (ClaraLua)
Miguel Falcato (Tenshô)
Miku Orita (Kassako Jizô)
Múcio Sá (Namban-jin)
NUM (DomingoCoelho/Momotaró_João Pêssego)
Nuno Caroço (SrJaponeira/ClaraLua/Pão do sonho/Kassako Jizô)
Nuno Tristão (Pão de sonho/Kassako Jizô)
Obdúlia Gonzaléz (Momotaró_Juan Melocotón contra CoronOni)
Pedro Simão (Kassako Jizô)
Pedro Teixeira Mota (Morães-san)
Rui Dinis ( Tensho/Momotaró_Juan Melocotón contra CoronOni)
Silvia Sanchés (Momotaró_Juan Melocotón contra CoronOni)
Sofia Maul (Rapazinho do Carvão)
Susana Branco (A Garça/ClaraLua)
Susana Santos (KassakoJizô)
Susana Travasso (Tenshô)
Tetsuro Naito (Kassako Jizô/Tenshô/Momotaró)
Tiago Casais (Namban-jin/Rapazinho do carvão)
Tiago Francisco (Rainha Santa Isabel)
Tiago Salgueiro (Tenshô)
Tiago Veigas (Morães-san)
Tomoko Takeda (Kassako Jizô/Tenshô/Momotaró)
Toru Suenaga (Tenshô)
Yania Rudlf (ClaraLua)
Yukitaka Hihara (SrJaponeira)
Yuko Hara (tradução-Rainha Santa Isabel)
Yumi Kihara (Rainha Santa Isabel)
Beniko por Beniko
Nasci em Yamagata, uma terra com muita neve e de pessoas fortes, que é também a cidade natal da minha mãe. O meu pai nasceu numa região próxima, por isso sou filha de duas pessoas do Norte: de poucas palavras mas muito resilientes.
Os meus avós paternos trabalhavam as pedras dos túmulos, e por isso tive acesso aos templos e às cerimónias fúnebres ainda muito pequena. Era natural para mim refletir sobre o mistério da vida, imaginar-me viva e morta, sentir as diferentes energias das pessoas e os rituais que realizavam com o intuito de estabilizar ou dar continuidade a estas energias…
Embora me sinta muito ligada à vida na minha terra natal e me sinta eu mesma uma pessoa do Norte, cresci toda a minha vida em Tokyo. Os meus pais já lá viviam antes de eu nascer e fui para lá ainda bebé. A minha vida na cidade foi um pouco diferente das dos meus amigos e conhecidos. O Japão passava por um forte desenvolvimento tecnológico na época e a televisão, os videojogos, os jogos de computador, os telemóveis tudo isso se tornou muito popular muito rápido. Mas os meus pais só me deixaram ver televisão aos 19 anos por isso passei muito tempo “desconectada” com o que a maioria das pessoas na altura falavam e consumiam. Em conversas era fácil passar a ideia de que eu era uma criança um pouco estranha porque não estava a par do que as pessoas comentavam, como por exemplo ídolos pop da altura ou novas cadeias de fast-food que começavam a abrir. É comum uma criança em Tokyo crescer sem muita companhia, especialmente dos pais, e esse foi também o meu caso. Com pais ausentes, distanciada das novas tecnologias e a viver num sítio onde sentia que as pessoas davam prioridade às aparências, fui-me recolhendo sobre mim própria. Em criança passei muito tempo a observar as pessoas à minha volta. Sentia confusão e admiração, provocava-me um conflito dentro de mim, pensar que as pessoas conseguiam mais facilmente identificar-se com alguém alheio à sua vida, através da televisão ou da internet, e ao mesmo tempo eram incapazes de se abrir e aproximar emocionalmente de pessoas que na verdade estavam mais próximas. Sinto que este tipo de cultura da comunicação é muito própria do Japão..
Penso que todo este tempo sozinha permitiu-me descobrir bastante sobre mim. Embora não me deixassem ver televisão, os meus pais não tinham problemas em que eu lesse, e por isso li muita manga. Também comecei a desenhar muito pequena, e gostava muito de ouvir música na rádio. Numa casa sem pais, num espaço vazio, estas atividades ajudavam-me a encarar o tempo que passava sozinha de uma forma mais positiva e a perder-me na minha imaginação. De repente, esse espaço vazio deixava de o ser, e dava lugar a esta nova energia presente que eu tinha criado e que se tornou a origem do meu interesse pela arte.
Trabalho sobretudo em 5 áreas, e sinto que cada uma delas se relaciona com esta minha reflexão sobre as energias que sinto desde pequena.
A primeira é o desenho, através do qual tento visualizar e dar forma aos caminhos com energia que fluem à minha volta.
Em segundo lugar, o teatro de sombras é muito importante para mim porque torna bem clara esta polaridade de energias. No princípio tudo está escuro e vazio. Depois através da luz, passando por imagens que transmitem uma determinada energia, começam a nascer os personagens e as suas histórias. Imaginar, desenhar, recortar e manobrar estes personagens manualmente é muito importante para mim, sinto que me ajuda a encher com energia algo que estava previamente vazio.
A terceira área é a performance, que implica um desafio físico, usar o meu corpo como um material que serve de transmissor e comunicador de energias.
A quarta, a massagem terapêutica, também envolve o meu corpo, mas de uma forma diferente. Sempre gostei da ideia de curar alguém, tanto que quando passo demasiado tempo sem dar uma massagem o meu corpo e a minha mente sentem-se incompletos. Quando dou uma massagem sinto-me numa posição neutra, sinto-me parte de uma engrenagem que já lá está e que eu tento ajudar a passar melhor. Assim como com o desenho ou o teatro, sinto a energia oculta que lá está, mas neste caso, não a expresso nem transformo em algo visível. Sinto que estou a lavrar uma terra, as dores e as memórias do corpo de alguém, para que ela dê frutos, para que as energias se libertem à vontade.
A quinta área à qual me dedico é o ensino de japonês. Ajuda-me a manter o contacto com a minha cultura. É curioso que para servir alguém tenha que descodificar a minha língua materna desta maneira e pensar em como apresentar a matéria da melhor forma, quase como uma performance. Aceito-o como um desafio! Estudar e aprender uma língua requer muito esforço. Saber que há pessoas que se querem dar a esse trabalho pela minha língua deixa-me muito feliz e grata.
No fundo, tudo isto é trabalho. Um trabalho que eu gosto de fazer, que me preenche e que me ajuda a descobrir o caminho que procuro em direção à autenticidade e ao meu potencial.